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Textos

Era uma vez um gato com asas

Era uma vez um gato com asas que vivia no fundo do meu quintal. Ele se chamava Fly. Não sei se quem lhe deu o nome percebeu sua estranha capacidade ou se foi apenas coincidência. Seu tamanho tornava difícil imaginá-lo voando. Contam que estava lá quando a casa antiga foi derrubada para construção desta nova em que vivo. Ele não estava na escritura, mas foi como uma herança da velha casa. Meu antecessor, um português muito estranho, o trouxe ainda filhote, junto com uma muda de Liquidâmbar, árvore oriunda do Porto. Fly e a árvore cresceram juntos, e mantinham uma parceria silenciosa e muito misteriosa.

Nada fazia eu para mantê-lo. Fly saía à noite em busca de alimentos e dormia boa parte do tempo em uma alta ramada da árvore. Nos dias de chuva buscava abrigo na lavanderia. Vivíamos à distância. Muito arisco, não permitia aproximação, mas mostrava-se sempre atento, observando minhas ações e movimentos.

Os meus vizinhos, há muito moradores da região, cochichavam à minha passagem, deixando-me desconfortável e curiosa. Quando um carro atropelou um deles, em frente à minha casa e corri para auxilia-lo, levando-o ao Hospital, consegui finalmente estabelecer algum contato, como reconhecimento ao meu gesto. Então, externaram sua preocupação por eu morar naquela casa, considerada por eles perigosa. Disseram-me que o dono do gato, era muito estranho, tratando com desdém a todos, e que ficava muito enraivecido com o gato quando bebia. Batia-lhe, dava pontapés, de forma que para fugir dos maus tratos o gato começara a voar. O Liquidâmbar, para auxiliar o parceiro, fechava suas verdes folhas, tornando-o invisível. Em uma noite de bebedeira, o malfeitor pegou um machado e começou a castigar o tronco da árvore, tentando derrubá-la para destruir o gato. O céu fechou-se, a lua desapareceu na escuridão e miados estridentes foram ouvidos. Após longo silêncio, um temporal sinistro desabou. Pela manhã, a casa mostrava-se chamuscada, com grosseiras brechas; e o dono caído próximo à sua cama, também chamuscado nos pés, como se fora atingido por um raio. O Liquidâmbar? Majestoso, com as folhagens vermelhas, como se estivessem em pleno outono. Fly? Ronronando feliz em volta da árvore enquanto seu dono foi de lá retirado e enterrado.

Perguntaram-me se eu tinha medo. Neguei. Por precaução, ao retornar, fui até o galpão pegar o velho machado preso na parede. Procurei uma pá e cavei um fundo buraco, enterrando o machado sob o olhar silencioso de Fly. Entrei em casa, abri a janela do escritório e fui lavar as mãos, sentando a seguir para escrever. Minutos após, um tanto assustada, percebi um ronronar próximo a mim – Fly dormia tranquilamente no tapete. Sorrindo, retornei à minha tarefa pensando: vou instalar um para-raios.


Jane Ulbrich
31/08/2016

 

 


 


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